quarta-feira, 19 de setembro de 2012

CARACTERÍSTICAS DO CHORO


Há vários elementos que definem as características de uma obra como pertencentes ao choro. De acordo com elementos rítmicos, melódicos, harmônicos, andamento e instrumentação, o gênero choro pode ainda ser visto como choro-ligeiro, chorocanção, choro-lento, choro-maxixe, polca-choro, choro-estilizado, choro-seresta, samba-choro, ou apenas choro. Estes vários estilos do choro demonstram a 
diversidade de influências que ele sofreu durante a sua evolução no tempo, embora a diferença entre eles seja bastante sutil.  

ELEMENTOS MELÓDICOS, RÍTMICOS E HARMÔNICOS  
A melodia, o ritmo e a harmonia, no choro, são os parâmetros musicais estruturais na sua concepção musical, onde elementos como dinâmica, articulação e timbre são pouco abordados pelos instrumentistas na execução ou abordados de uma maneira intuitiva, ou ainda de uma maneira improvisada.  O choro como música de tradição oral,  permite ao instrumentista elaborar com liberdade a melodia e ritmo das peças. 


ELEMENTOS MELÓDICOS 


BEHÁGUE (1966, p. 30-66), LOUREIRO (1991, p. 52-54) e ALMEIDA (1999, p.106-114) apontam que alguns traços melódicos típicos do choro foram herdados da modinha – forma de canção importada da Europa, outros do lundu – música de origem africana. Segundo eles, os elementos melódicos do choro herdados da modinha são: cromatismos, apogiaturas, linhas melódicas descendentes, uso freqüente do modo menor, grandes saltos melódicos e notas dissonantes no tempo 
forte. Outros componentes da melodia foram herdados do lundu: padrões de notas repetidas, síncopes, e acentos melódicos na parte fraca do tempo. E mais, segundo estes autores, algumas características da melodia se apresentam como manifestação do caráter improvisatório do choro: repetição seqüencial de um padrão melódico básico sobre diferentes graus da escala, grandes arpejos, e fluxo contínuo de quiálteras.


Outros traços melódicos do choro apontados por ALMEIDA (1999, p.106-114) são: apogiaturas e bordaduras, cromatismos, ocorrência de arpejo maior descendente com sexta, frases longas, utilização da escala menor harmônica descendente sobre a dominante, valorização melódica do contratempo.  SÉVE (1999) defende a idéia de que a melodia do choro é construída sobre motivos, que são fragmentos melódicos matrizes  usados na composição de toda a peça musical. Destaca vários motivos melódicos extraídos de vários choros, e os organiza em forma de estudos. Nestes estudos,  ele toma um motivo melódico como referencial, faz várias transposições para o mesmo, organizando-os de forma musicalmente coerente. Aborda os seguintes motivos: passagens diatônicas, com arpejos, motivos baseados em cromatismos localizados no início e/ou final de frases, todos eles encontradas no repertório do choro.  


Alguns motivos melódicos bastante recorrentes no repertório do choro são: 
a) motivos escalares: aqueles baseados em uma escala ascendente ou descendente. Na figura 1 tem-se um trecho de Segura Ele de Pixinguinha (outros exemplos encontram-se em  Descendo a Serra – Pixinguinha, Diabinho Maluco e Quebrando o Galho – Jacob do Bandolim);
.....FIGURA 1 – Motivo escalar em Segura Ele de Pixinguinha (c.1). 
b) motivos de notas repetidas: baseados na ênfase de notas pela repetição. A figura 2 apresenta o exemplo de  Cheguei de Pixinguinha e Benedito Lacerda – outros exemplos são encontrados em Segura Ele e Vou Vivendo destes mesmos compositores;     

FIGURA 2 – Motivo de notas repetidas em Cheguei de Pixinguinha e Benedito                         Lacerda (c.2). 
c) motivos cromáticos: aqueles compostos de cromatismos com direção melódica ascendente ou descendente,  ou ainda como bordadura. Abaixo demonstra-se um trecho de Seresteiro de Pixinguinha e Benedito Lacerda (FIGURA 3) - outros exemplos podem ser encontrados em  Tico Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e Ginga do Mané de Jacob do Bandolim;  



FIGURA 3 – Motivo cromático como bordadura em Seresteiro de Pixinguinha e Benedito Lacerda (c.1). 


d) motivos baseados em arpejos como encontrado em André de Sapato Novo de André Correia (FIG. 4). Outros exemplos estão em  Rio Antigo de Pixinguinha e Pingo d’água de Waldir Azevedo; 


FIGURA 4 – Motivo baseado em arpejo encontrado em André de Sapato Novo de                       André Correia (c.2).

e) motivos baseados em arpejos combinados com passagens escalares ou cromatismos, como destacado em Noites Cariocas de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho  (FIG. 5). Também se encontram outros exemplos em Espinha de Bacalhau de Severino Araújo, e Naquele Tempo
de Pixinguinha; 



FIGURA 5 – Motivo de arpejo mesclado com passagem escalar em Noites Cariocas de Jacob do Bandolim (c.1).

Na Seção A de  Chorando Baixinho (cuja forma é discutida mais à frente), encontramos três motivos melódicos principais: um cromático, um cromático combinado com salto de sexta (destacados  na FIG. 6), e um motivo em arpejo encontrado no compasso 6 desta obra 




FIGURA 6 - Passagem com cromatismo e saltos de sexta ascendentes em Chorando Baixinho (c.1-2). 


A seção B de  Chorando Baixinho também está baseada principalmente em três motivos melódicos: um composto de bordadura mais salto de quarta justa, um cromático (ambos em destaque na FIG. 7),  e um motivo escalar encontrado no compasso 30 deste choro.  


FIGURA 7 - Frase que combina bordadura com saltos de quarta justa e cromatismo em Chorando Baixinho (c.18-19).                  

A seção C desta peça, que está em Ré maior, tom homônimo maior da Seção A, encontram-se os mesmos motivos melódicos da primeira seção (demonstrados na FIG. 8), baseada em cromatismos e saltos ascendentes de sexta, muito semelhantes àqueles da figura 1. 


FIGURA 8 - Frase com cromatismos e saltos de sexta maior em Chorando Baixinho (c.64-65)



ELEMENTOS RÍTMICOS 
A constituição rítmica do choro é baseada na métrica dupla (LOUREIRO, 1991, p. 51), geralmente em compasso binário simples, e tem como principais traços típicos a síncope, formas de alusão à síncope, linearidade rítmica e utilização de quiálteras (ALMEIDA, 1999, 136-142). Muitos destes elementos rítmicos foram incorporados de danças européias e africana. SANDRONI (2001, p.21) mencionando estudo feito pelo etnomusicólogo Mieczyslaw Kolinski, diz que o ritmo pode ser “cométrico” – construído sobre as partes fortes do tempo - ou “contramétrico” – construído sobre as partes fracas do tempo, ou seja, no contratempo. Segundo ele a síncope, que  é uma irregularidade  rítmica na cultura ocidental, nas músicas africanas é uma articulação normal do ritmo. Ainda segundo SANDRONI (2001, p. 28-29), outra das possíveis origens da síncope seria um padrão rítmico identificado por  musicólogos cubanos, chamado  tresillo. Este ritmo pode ser indicado na notação tradicional  por duas colcheias pontuadas mais colcheia. Subdividindo-se cada uma das colcheias pontuadas em semicolcheia mais colcheia, chega-se então à nossa conhecida síncope grafada como semicolcheiacolcheia-semicolcheia mais duas colcheias. Sobre outra figura rítmica muito encontrada no choro, LOUREIRO (1991, p.51) diz que:  


O grupo de três semicolcheias desta figura          , era utilizado sistematicamente nas melodias tanto quanto no acompanhamento de polcas, maxixes e tangos, e tornou-se recentemente um padrão 
característico encontrado em quase todo choro. 
Chorando Baixinho é baseado no elemento rítmico de quatro semicolcheias donde surge esta figura rítmica de pausa de semicolcheia mais três semicolcheias (FIG. 11). A primeira semicolcheia da cabeça do tempo (na FIG. 11, a primeira semicolcheia do primeiro tempo do compasso 2) funciona como a resolução melódica do movimento das três semicolcheias em anacruse, e a segunda semicolcheia (na FIG. 11, a segunda semicolcheia do primeiro tempo do compasso 2) é enfatizada pela melodia como início de uma nova frase.



FIGURA 11 - Padrão rítmico de Chorando Baixinho de Abel Ferreira. 

Tomando como referência estes dois elementos rítmicos (a síncope e o elemento de quatro semicolcheias), pode-se observar que eles estão presentes em várias obras da fase inicial do choro. Alguns exemplos são: Lundu Característico e Puladora de Callado,  Annita e  Não Insistas Rapariga  de Chiquinha Gonzaga,  Quebradinha  e Escorregando de Ernesto Nazareth, todas ritmicamente baseadas nas quatro semicolcheias. A variedade se encontra justamente no uso da pausa de semicolcheia e na disposição das acentuações. A transformação do elemento rítmico de quatro semicolcheias para pausa de semicolcheia mais três semicolcheias é uma pequena modificação do ritmo, que pode ser atestada em Escorregando de Ernesto Nazareth e cuja acentuação melódica cai na segunda semicolcheia. A síncope está presente em vários lundus coletados por musicólogos no interior do Brasil (LOUREIRO, 1991, p.7-13), e pode  também ser observada em obras de compositores da fase inicial do choro, como  Corta-Jaca e  Angá  de Chiquinha Gonzaga, Odeon, Tenebroso, Crises em penca e Brejeiro de Ernesto Nazareth.  



No repertório do choro da atualidade, observam-se várias modificações destas duas células rítmicas. Por exemplo, o ritmo de quatro semicolcheias pode ser identificado em  Sossega Juca (Luis Americano),  Um Chorinho na aldeia (Severino Araújo), Atrevido (Waldir de Azevedo),  Bingo (Dilermando Reis), dentre muitos outros. A síncope pode ser encontrada em  Soluços (Pixinguinha e Benedito Lacerda), Puladinho  (Severino Araújo),  Simplicidade  (Jacob do Bandolim),  Samburai  (Mané Silveira).  Há várias possibilidades de combinações unindo-se estes dois elementos rítmicos. 
Por exemplo, em Carioquinha de Waldir Azevedo e Nivaldo no Choro de Severino Araújo, há a junção do elemento síncope com o elemento de quatro semicolcheias. Em  Queixumes de Avena de Castro,  Biruta de Jacob do Bandolim e Sempre de  K-ximbinho, o ritmo é estruturado a partir da fusão dos elementos síncope, de quatro semicolcheias e de quiálteras.

ELEMENTOS HARMÔNICOS  
As características da harmonia do choro  são: simplicidade harmônica, dominantes secundárias, acorde napolitano, conclusão de frases sobre os III e V graus, inversão de acordes, ocorrência de acordes alterados e tensões harmônicas (ALMEIDA, 1999, p. 121-134), e mais, modulações  rápidas e inesperadas, constante instabilidade entre os modos menor e maior (LOUREIRO, 1991, p. 55).
A estrutura harmônica do choro – desenvolvido até meados da década de 70 - é relativamente simples, conservando a linguagem tonal. Mesmo quando há modulações, elas movimentam a harmonia para regiões vizinhas ou homônimas do tom principal. Os acordes comumente trazem, além da tríade básica, apenas a sétima como dissonância acrescentada. No choro da atualidade, muitos compositores ampliaram estas características, recebendo influências de outros gêneros musicais como o jazz ou a bossa nova (ALMEIDA, 1999). Outro fator importante para a harmonia do choro é a condução dos baixos já que a realização da harmonia por parte dos  intérpretes gerou a tradição da condução melódica do baixo (em geral, nos grupos de choro, o violão de sete cordas é o que realiza a condução melódica das linhas  do baixo). ALMEIDA (1999, p. 114-121) classifica as características da condução melódica das linhas do baixo como baixo condutor harmônico, baixo melódico e baixo pedal.
A respeito da condução melódica do baixo, LOUREIRO (1991, p. 55) comenta:
A constante presença de uma linha melódica que se move no baixo, freqüentemente por graus conjuntos de uma escala, dita rápidas mudanças harmônicas (muitas vezes através de progressões de
dominantes secundárias) e uso de apogiaturas. O objetivo da realização melódica do baixo no choro não é propriamente indicar ou ditar mudanças na harmonia, mas conduzir a voz do baixo. Diz-se realização, por que as cifras da harmonia, não trazem informações a respeito da condução de vozes
da harmonia, e tradicionalmente é feita de maneira improvisada, durante a execução de determinada obra

Com respeito à estrutura harmônica,  Chorando Baixinho têm a  Seção A em Ré  menor, a  Seção B em Lá menor, e a  Seção C em Ré maior, revelando uma seqüência harmônica tônica menor - dominante menor - homônimo maior. Esta peça tem os acordes da harmonia constituídos  por tríades, às quais, algumas vezes, é acrescido a sétima menor do acorde,  mas raramente o acréscimo de outras dissonâncias como nona, décima primeira  ou décima terceira. Na Seção A desta obra, há duas inclinações harmônicas para Si bemol maior (sexto grau de Ré menor), nos compassos 4-5 e 12-13. A Seção B desenvolve-se em Lá menor (região harmônica do quinto grau de Ré menor), e possui duas inclinações harmônicas para Ré menor (quarto grau de Lá menor), nos compassos 20-21 e 28-29.


INSTRUMENTAÇÃO
O choro apresenta atualmente várias formações instrumentais. O primeiro grupo de choro que se tem notícia é o  Choro Carioca ou  Quarteto Ideal, organizado por Joaquim Antonio da Silva Callado Júnior – flautista e compositor de choro que atuou no período de formação do choro – segunda metade do século XIX. A formação deste grupo era de:  [...] flauta solo (tocada por Callado), dois violões e um cavaquinho. Os violões estão responsáveis pelo acompanhamento das improvisações de Callado em sua flauta enquanto que o cavaquinho preenchia com a parte intermediária com inflexões melódicas
esporádicas.  (LOUREIRO, 1991, p. 32).

Hoje, a formação instrumental mais característica do choro é o regional. Segundo ALMEIDA (1999, p. 29) o regional designa “... pequenos grupos de choro, baseados na flauta, no violão, no cavaquinho e no pandeiro, mas abertos a muitos outros instrumentos como o bandolim, o clarinete e o saxofone”.


O regional se afirma como formação instrumental na década de 30, cumprindo uma necessidade das rádios, porque
[...] para uma estação de rádio da época era indispensável o trabalho de um conjunto do tipo ‘regional’, pois, sendo uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinha a agilidade e o poder de improvisação para tapar buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao acompanhamento de cantores. (CAZES, 1998, p. 85).
Pelo fato de o choro ter se originado nas classes economicamente mais pobres da população brasileira, ALMEIDA (1999) afirma que o regional se desenvolveu a partir de duas características básicas: instrumentos portáteis, leves, e de fácil transporte, para serem levados às apresentações  em festas populares, e também financeiramente acessíveis. A tradição do “regional” tem alguns dos seus representantes mais conhecidos nos seguintes grupos: Turunas Pernambucanos, Gente do Morro, Os Oito Batutas, Regional do Canhoto, Conjunto Época de Ouro, Os Carioquinhas, Nó em Pingo D’Água,  dentre outros. CAZES (1998, p. 85), contudo, explica a origem do termo regional:

O nome ‘regional’ se originou de grupos como Turunas  Pernambucanos, Voz do Sertão e mesmo Os Oito Batutas, que, na década de 20, associavam a instrumentação de violões, cavaquinho, percussão e algum solista a um caráter de música regional.  Outro conjunto utilizado para manifestação da linguagem chorística foi a banda de música, principalmente com Anacleto de Medeiros, pois “[...] a ponte que Anacleto realizou entre a cultura de bandas e a das rodas de choro enriqueceu enormemente
ambas as manifestações” (CAZES, 1998, p.31-33).
Outros compositores da história do choro transpuseram o repertório do choro para formações instrumentais específicas. Garoto, João Pernambuco, Guinga, e VillaLobos são alguns compositores que manifestaram em suas peças para violão solo influências e elementos do choro. Radamés Gnattali, Edmundo Villani Cortes e Cyro Pereira diferentemente, produziram muitas obras para  o piano com influência do choro. Segundo ALMEIDA (1999, p. 105), o piano:

[...] atuou como uma redução do grupo chorão, podendo realizar - à sua maneira – a melodiosidade da flauta, as harmonias e baixos dos violões e a rítmica do cavaquinho. Desta forma, exerceu uma troca
mútua com os músicos de choro, incorporando e traduzindo às suas características instrumentais elementos tipicamente chorões e, ao mesmo tempo, oferecendo aos grupos de choro uma enorme
quantidade de obras que, escritas originalmente para piano, foram muito bem adaptadas à formação instrumental típica do choro.  Contudo, podem-se citar formações instrumentais menos comuns, como o Quinteto Radamés: conjunto formado pelo maestro Radamés Gnattali, que tinha a seguinte
formação: acordeom, violão, contrabaixo, bateria, piano, e  posteriormente foi acrescentado um segundo piano, tocado pela esposa do Radamés, Aída Gnattali; a Camerata Carioca, também formada pelo maestro Radamés Gnattali, mais o bandolinista Joel Nascimento, e um quinteto - violão solo, violão de 7 cordas, cavaquinho, violão, e pandeiro (CAZES, 1998, p. 167-170). Na atualidade, há um
grande número de grupos instrumentais com  formações bastante variadas que se dedicam à performance do choro.


IMPROVISAÇÃO 
A improvisação tem sido utilizada em vários tipos de músicas e em contextos culturais diferenciados. Na música de  concerto européia, foi usada no Barroco, devido à liberdade dada ao instrumentista na realização do baixo cifrado e realização melódica de ornamentos, escolha de timbres, especialmente no repertório para órgão. Nos concertos clássicos, em trechos denominados  cadenzas, os instrumentistas tinham liberdade para criar  e mostrar seu virtuosismo a partir do material temático desenvolvido pelo compositor na obra. No século XX, é utilizada pelos compositores como elemento estrutural, em que os intérpretes participam da construção das seções da peça ou, mesmo, na elaboração da forma final de como ela é apresentada ao público. Na música popular, a improvisação tornou-se central nos vários estilos relacionados ao jazz, gênero de música popular americana, no qual os músicos improvisam a partir de um tema e/ou padrões harmônicos já fixados. (SADIE, 2001; ROCHA, 2001).


A improvisação é uma técnica bastante utilizada no choro, desde os tempos primeiros desta manifestação musical. SIQUEIRA (1970, p. 112) coloca que “Callado, ao escrever ou improvisar suas polcas, tinha a mente voltada para as atividades de seu grupo [...]”.
O Dicionário Grove dá uma definição geral de improvisação. A criação de uma obra musical, ou de sua forma final, à medida que está sendo executada. Pode significar a composição imediata da obra pelos executantes, a elaboração ou ajuste de detalhes numa obra já existente, ou qualquer coisa dentro destes limites. (SADIE, 2001, p. 450). SADIE (2001, p. 450) complementa a definição de improvisação dizendo que:  A ornamentação também representa uma forma de improvisação; nesse caso, o instrumentista ou cantor adorna uma linha determinada, em geral com muita liberdade, para aumentar a
expressividade e exibir sua inventividade e brilho.


Conceituam-se aí dois tipos de improvisação que podem se dar tomando como referência alguma idéia pré-concebida (linha melódica, seqüência harmônica, ou padrão rítmico) ou ainda ser totalmente  livre de referências anteriores. A improvisação como criação de novas melodias afeta a forma das peças, pois no momento da apresentação, os músicos  repetem alguma seção da peça (muitas vezes sem combinação prévia), ou também prolongando seus improvisos. A ornamentação visa valorizar a melodia, ou enriquecer ritmicamente uma peça com a introdução de variações nas suas características rítmicas.  É constante a utilização de ornamentação por parte dos músicos de choro, e muitos músicos comentam que a ornamentação é requisito para uma boa performance do choro. Sobre o uso de ornamentos no choro, SÁ (2000, p. 23) comenta que: Os ornamentos são parte essencial do conteúdo improvisatório do choro. Isto quer dizer que a utilização de mordentes, glissandos, apogiaturas, grupetos, entre outros, se dá de forma imprevisível. Atualmente, a improvisação no choro é usada nas duas formas comentadas anteriormente. Tanto na criação instantânea de trechos, usando como referência a melodia ou a condução harmônica de uma seção ou frase, como também na ornamentação do material temático que está sendo tocado. SÁ (2000, p. 24) comenta:


Mas faz parte do choro entender o chamado improviso através de um pensamento melódico-improvisatório baseado na própria melodia chorona que está sendo executada [...] Ocorre também que, ao contrário do jazz, a opção de não improvisar em determinado choro é bastante admissível e comum, principalmente quando se trata de um certo tipo de choro cuja construção melódica se constitui apenas por semicolcheias em andamento rápido. Uma outra conceituação de improvisação é desenvolvida por Bailey (1992, p. xi-xii): [...] eu tenho usado os termos ‘idiomática’ e ‘não-idiomática’ para descrever as duas principais formas de improvisação. A improvisação idiomática, largamente usada, está principalmente interessada com a expressão de um idioma – tais como o  jazz,
flamenco ou barroco – e toma sua identidade e motivação do idioma. A improvisação não-idiomática tem outro interesse e é mais usualmente encontrada na chamada  improvisação ‘livre’ e, embora ela possa ser altamente estilizada, não é usualmente ligada à representação de uma identidade idiomática.
Assim, a improvisação do choro estaria, neste contexto, mais próximo do primeiro tipo onde a liberdade criativa está em função de elementos presentes na própria linguagem musica






















CARACTERÍSTICAS DO CHORO


Há vários elementos que definem as características de uma obra como pertencentes ao choro. De acordo com elementos rítmicos, melódicos, harmônicos, andamento e instrumentação, o gênero choro pode ainda ser visto como choro-ligeiro, chorocanção, choro-lento, choro-maxixe, polca-choro, choro-estilizado, choro-seresta, samba-choro, ou apenas choro. Estes vários estilos do choro demonstram a 
diversidade de influências que ele sofreu durante a sua evolução no tempo, embora a diferença entre eles seja bastante sutil.  

ELEMENTOS MELÓDICOS, RÍTMICOS E HARMÔNICOS  
A melodia, o ritmo e a harmonia, no choro, são os parâmetros musicais estruturais na sua concepção musical, onde elementos como dinâmica, articulação e timbre são pouco abordados pelos instrumentistas na execução ou abordados de uma maneira intuitiva, ou ainda de uma maneira improvisada.  O choro como música de tradição oral,  permite ao instrumentista elaborar com liberdade a melodia e ritmo das peças. 


ELEMENTOS MELÓDICOS 


BEHÁGUE (1966, p. 30-66), LOUREIRO (1991, p. 52-54) e ALMEIDA (1999, p.106-114) apontam que alguns traços melódicos típicos do choro foram herdados da modinha – forma de canção importada da Europa, outros do lundu – música de origem africana. Segundo eles, os elementos melódicos do choro herdados da modinha são: cromatismos, apogiaturas, linhas melódicas descendentes, uso freqüente do modo menor, grandes saltos melódicos e notas dissonantes no tempo 
forte. Outros componentes da melodia foram herdados do lundu: padrões de notas repetidas, síncopes, e acentos melódicos na parte fraca do tempo. E mais, segundo estes autores, algumas características da melodia se apresentam como manifestação do caráter improvisatório do choro: repetição seqüencial de um padrão melódico básico sobre diferentes graus da escala, grandes arpejos, e fluxo contínuo de quiálteras.


Outros traços melódicos do choro apontados por ALMEIDA (1999, p.106-114) são: apogiaturas e bordaduras, cromatismos, ocorrência de arpejo maior descendente com sexta, frases longas, utilização da escala menor harmônica descendente sobre a dominante, valorização melódica do contratempo.  SÉVE (1999) defende a idéia de que a melodia do choro é construída sobre motivos, que são fragmentos melódicos matrizes  usados na composição de toda a peça musical. Destaca vários motivos melódicos extraídos de vários choros, e os organiza em forma de estudos. Nestes estudos,  ele toma um motivo melódico como referencial, faz várias transposições para o mesmo, organizando-os de forma musicalmente coerente. Aborda os seguintes motivos: passagens diatônicas, com arpejos, motivos baseados em cromatismos localizados no início e/ou final de frases, todos eles encontradas no repertório do choro.  


Alguns motivos melódicos bastante recorrentes no repertório do choro são: 
a) motivos escalares: aqueles baseados em uma escala ascendente ou descendente. Na figura 1 tem-se um trecho de Segura Ele de Pixinguinha (outros exemplos encontram-se em  Descendo a Serra – Pixinguinha, Diabinho Maluco e Quebrando o Galho – Jacob do Bandolim);
.....FIGURA 1 – Motivo escalar em Segura Ele de Pixinguinha (c.1). 
b) motivos de notas repetidas: baseados na ênfase de notas pela repetição. A figura 2 apresenta o exemplo de  Cheguei de Pixinguinha e Benedito Lacerda – outros exemplos são encontrados em Segura Ele e Vou Vivendo destes mesmos compositores;     

FIGURA 2 – Motivo de notas repetidas em Cheguei de Pixinguinha e Benedito                         Lacerda (c.2). 
c) motivos cromáticos: aqueles compostos de cromatismos com direção melódica ascendente ou descendente,  ou ainda como bordadura. Abaixo demonstra-se um trecho de Seresteiro de Pixinguinha e Benedito Lacerda (FIGURA 3) - outros exemplos podem ser encontrados em  Tico Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e Ginga do Mané de Jacob do Bandolim;  



FIGURA 3 – Motivo cromático como bordadura em Seresteiro de Pixinguinha e Benedito Lacerda (c.1). 


d) motivos baseados em arpejos como encontrado em André de Sapato Novo de André Correia (FIG. 4). Outros exemplos estão em  Rio Antigo de Pixinguinha e Pingo d’água de Waldir Azevedo; 


FIGURA 4 – Motivo baseado em arpejo encontrado em André de Sapato Novo de                       André Correia (c.2).

e) motivos baseados em arpejos combinados com passagens escalares ou cromatismos, como destacado em Noites Cariocas de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho  (FIG. 5). Também se encontram outros exemplos em Espinha de Bacalhau de Severino Araújo, e Naquele Tempo
de Pixinguinha; 



FIGURA 5 – Motivo de arpejo mesclado com passagem escalar em Noites Cariocas de Jacob do Bandolim (c.1).

Na Seção A de  Chorando Baixinho (cuja forma é discutida mais à frente), encontramos três motivos melódicos principais: um cromático, um cromático combinado com salto de sexta (destacados  na FIG. 6), e um motivo em arpejo encontrado no compasso 6 desta obra 




FIGURA 6 - Passagem com cromatismo e saltos de sexta ascendentes em Chorando Baixinho (c.1-2). 


A seção B de  Chorando Baixinho também está baseada principalmente em três motivos melódicos: um composto de bordadura mais salto de quarta justa, um cromático (ambos em destaque na FIG. 7),  e um motivo escalar encontrado no compasso 30 deste choro.  


FIGURA 7 - Frase que combina bordadura com saltos de quarta justa e cromatismo em Chorando Baixinho (c.18-19).                  

A seção C desta peça, que está em Ré maior, tom homônimo maior da Seção A, encontram-se os mesmos motivos melódicos da primeira seção (demonstrados na FIG. 8), baseada em cromatismos e saltos ascendentes de sexta, muito semelhantes àqueles da figura 1. 


FIGURA 8 - Frase com cromatismos e saltos de sexta maior em Chorando Baixinho (c.64-65)



ELEMENTOS RÍTMICOS 
A constituição rítmica do choro é baseada na métrica dupla (LOUREIRO, 1991, p. 51), geralmente em compasso binário simples, e tem como principais traços típicos a síncope, formas de alusão à síncope, linearidade rítmica e utilização de quiálteras (ALMEIDA, 1999, 136-142). Muitos destes elementos rítmicos foram incorporados de danças européias e africana. SANDRONI (2001, p.21) mencionando estudo feito pelo etnomusicólogo Mieczyslaw Kolinski, diz que o ritmo pode ser “cométrico” – construído sobre as partes fortes do tempo - ou “contramétrico” – construído sobre as partes fracas do tempo, ou seja, no contratempo. Segundo ele a síncope, que  é uma irregularidade  rítmica na cultura ocidental, nas músicas africanas é uma articulação normal do ritmo. Ainda segundo SANDRONI (2001, p. 28-29), outra das possíveis origens da síncope seria um padrão rítmico identificado por  musicólogos cubanos, chamado  tresillo. Este ritmo pode ser indicado na notação tradicional  por duas colcheias pontuadas mais colcheia. Subdividindo-se cada uma das colcheias pontuadas em semicolcheia mais colcheia, chega-se então à nossa conhecida síncope grafada como semicolcheiacolcheia-semicolcheia mais duas colcheias. Sobre outra figura rítmica muito encontrada no choro, LOUREIRO (1991, p.51) diz que:  


O grupo de três semicolcheias desta figura          , era utilizado sistematicamente nas melodias tanto quanto no acompanhamento de polcas, maxixes e tangos, e tornou-se recentemente um padrão 
característico encontrado em quase todo choro. 
Chorando Baixinho é baseado no elemento rítmico de quatro semicolcheias donde surge esta figura rítmica de pausa de semicolcheia mais três semicolcheias (FIG. 11). A primeira semicolcheia da cabeça do tempo (na FIG. 11, a primeira semicolcheia do primeiro tempo do compasso 2) funciona como a resolução melódica do movimento das três semicolcheias em anacruse, e a segunda semicolcheia (na FIG. 11, a segunda semicolcheia do primeiro tempo do compasso 2) é enfatizada pela melodia como início de uma nova frase.



FIGURA 11 - Padrão rítmico de Chorando Baixinho de Abel Ferreira. 

Tomando como referência estes dois elementos rítmicos (a síncope e o elemento de quatro semicolcheias), pode-se observar que eles estão presentes em várias obras da fase inicial do choro. Alguns exemplos são: Lundu Característico e Puladora de Callado,  Annita e  Não Insistas Rapariga  de Chiquinha Gonzaga,  Quebradinha  e Escorregando de Ernesto Nazareth, todas ritmicamente baseadas nas quatro semicolcheias. A variedade se encontra justamente no uso da pausa de semicolcheia e na disposição das acentuações. A transformação do elemento rítmico de quatro semicolcheias para pausa de semicolcheia mais três semicolcheias é uma pequena modificação do ritmo, que pode ser atestada em Escorregando de Ernesto Nazareth e cuja acentuação melódica cai na segunda semicolcheia. A síncope está presente em vários lundus coletados por musicólogos no interior do Brasil (LOUREIRO, 1991, p.7-13), e pode  também ser observada em obras de compositores da fase inicial do choro, como  Corta-Jaca e  Angá  de Chiquinha Gonzaga, Odeon, Tenebroso, Crises em penca e Brejeiro de Ernesto Nazareth.  



No repertório do choro da atualidade, observam-se várias modificações destas duas células rítmicas. Por exemplo, o ritmo de quatro semicolcheias pode ser identificado em  Sossega Juca (Luis Americano),  Um Chorinho na aldeia (Severino Araújo), Atrevido (Waldir de Azevedo),  Bingo (Dilermando Reis), dentre muitos outros. A síncope pode ser encontrada em  Soluços (Pixinguinha e Benedito Lacerda), Puladinho  (Severino Araújo),  Simplicidade  (Jacob do Bandolim),  Samburai  (Mané Silveira).  Há várias possibilidades de combinações unindo-se estes dois elementos rítmicos. 
Por exemplo, em Carioquinha de Waldir Azevedo e Nivaldo no Choro de Severino Araújo, há a junção do elemento síncope com o elemento de quatro semicolcheias. Em  Queixumes de Avena de Castro,  Biruta de Jacob do Bandolim e Sempre de  K-ximbinho, o ritmo é estruturado a partir da fusão dos elementos síncope, de quatro semicolcheias e de quiálteras.

ELEMENTOS HARMÔNICOS  
As características da harmonia do choro  são: simplicidade harmônica, dominantes secundárias, acorde napolitano, conclusão de frases sobre os III e V graus, inversão de acordes, ocorrência de acordes alterados e tensões harmônicas (ALMEIDA, 1999, p. 121-134), e mais, modulações  rápidas e inesperadas, constante instabilidade entre os modos menor e maior (LOUREIRO, 1991, p. 55).
A estrutura harmônica do choro – desenvolvido até meados da década de 70 - é relativamente simples, conservando a linguagem tonal. Mesmo quando há modulações, elas movimentam a harmonia para regiões vizinhas ou homônimas do tom principal. Os acordes comumente trazem, além da tríade básica, apenas a sétima como dissonância acrescentada. No choro da atualidade, muitos compositores ampliaram estas características, recebendo influências de outros gêneros musicais como o jazz ou a bossa nova (ALMEIDA, 1999). Outro fator importante para a harmonia do choro é a condução dos baixos já que a realização da harmonia por parte dos  intérpretes gerou a tradição da condução melódica do baixo (em geral, nos grupos de choro, o violão de sete cordas é o que realiza a condução melódica das linhas  do baixo). ALMEIDA (1999, p. 114-121) classifica as características da condução melódica das linhas do baixo como baixo condutor harmônico, baixo melódico e baixo pedal.
A respeito da condução melódica do baixo, LOUREIRO (1991, p. 55) comenta:  
A constante presença de uma linha melódica que se move no baixo, freqüentemente por graus conjuntos de uma escala, dita rápidas mudanças harmônicas (muitas vezes através de progressões de
dominantes secundárias) e uso de apogiaturas. O objetivo da realização melódica do baixo no choro não é propriamente indicar ou ditar mudanças na harmonia, mas conduzir a voz do baixo. Diz-se realização, por que as cifras da harmonia, não trazem informações a respeito da condução de vozes
da harmonia, e tradicionalmente é feita de maneira improvisada, durante a execução de determinada obra

Com respeito à estrutura harmônica,  Chorando Baixinho têm a  Seção A em Ré  menor, a  Seção B em Lá menor, e a  Seção C em Ré maior, revelando uma seqüência harmônica tônica menor - dominante menor - homônimo maior. Esta peça tem os acordes da harmonia constituídos  por tríades, às quais, algumas vezes, é acrescido a sétima menor do acorde,  mas raramente o acréscimo de outras dissonâncias como nona, décima primeira  ou décima terceira. Na Seção A desta obra, há duas inclinações harmônicas para Si bemol maior (sexto grau de Ré menor), nos compassos 4-5 e 12-13. A Seção B desenvolve-se em Lá menor (região harmônica do quinto grau de Ré menor), e possui duas inclinações harmônicas para Ré menor (quarto grau de Lá menor), nos compassos 20-21 e 28-29.


INSTRUMENTAÇÃO
O choro apresenta atualmente várias formações instrumentais. O primeiro grupo de choro que se tem notícia é o  Choro Carioca ou  Quarteto Ideal, organizado por Joaquim Antonio da Silva Callado Júnior – flautista e compositor de choro que atuou no período de formação do choro – segunda metade do século XIX. A formação deste grupo era de:  [...] flauta solo (tocada por Callado), dois violões e um cavaquinho. Os violões estão responsáveis pelo acompanhamento das improvisações de Callado em sua flauta enquanto que o cavaquinho preenchia com a parte intermediária com inflexões melódicas
esporádicas.  (LOUREIRO, 1991, p. 32).

Hoje, a formação instrumental mais característica do choro é o regional. Segundo ALMEIDA (1999, p. 29) o regional designa “... pequenos grupos de choro, baseados na flauta, no violão, no cavaquinho e no pandeiro, mas abertos a muitos outros instrumentos como o bandolim, o clarinete e o saxofone”.


O regional se afirma como formação instrumental na década de 30, cumprindo uma necessidade das rádios, porque
[...] para uma estação de rádio da época era indispensável o trabalho de um conjunto do tipo ‘regional’, pois, sendo uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinha a agilidade e o poder de improvisação para tapar buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao acompanhamento de cantores. (CAZES, 1998, p. 85).
Pelo fato de o choro ter se originado nas classes economicamente mais pobres da população brasileira, ALMEIDA (1999) afirma que o regional se desenvolveu a partir de duas características básicas: instrumentos portáteis, leves, e de fácil transporte, para serem levados às apresentações  em festas populares, e também financeiramente acessíveis. A tradição do “regional” tem alguns dos seus representantes mais conhecidos nos seguintes grupos: Turunas Pernambucanos, Gente do Morro, Os Oito Batutas, Regional do Canhoto, Conjunto Época de Ouro, Os Carioquinhas, Nó em Pingo D’Água,  dentre outros. CAZES (1998, p. 85), contudo, explica a origem do termo regional:

O nome ‘regional’ se originou de grupos como Turunas  Pernambucanos, Voz do Sertão e mesmo Os Oito Batutas, que, na década de 20, associavam a instrumentação de violões, cavaquinho, percussão e algum solista a um caráter de música regional.  Outro conjunto utilizado para manifestação da linguagem chorística foi a banda de música, principalmente com Anacleto de Medeiros, pois “[...] a ponte que Anacleto realizou entre a cultura de bandas e a das rodas de choro enriqueceu enormemente
ambas as manifestações” (CAZES, 1998, p.31-33).
Outros compositores da história do choro transpuseram o repertório do choro para formações instrumentais específicas. Garoto, João Pernambuco, Guinga, e VillaLobos são alguns compositores que manifestaram em suas peças para violão solo influências e elementos do choro. Radamés Gnattali, Edmundo Villani Cortes e Cyro Pereira diferentemente, produziram muitas obras para  o piano com influência do choro. Segundo ALMEIDA (1999, p. 105), o piano:

[...] atuou como uma redução do grupo chorão, podendo realizar - à sua maneira – a melodiosidade da flauta, as harmonias e baixos dos violões e a rítmica do cavaquinho. Desta forma, exerceu uma troca
mútua com os músicos de choro, incorporando e traduzindo às suas características instrumentais elementos tipicamente chorões e, ao mesmo tempo, oferecendo aos grupos de choro uma enorme
quantidade de obras que, escritas originalmente para piano, foram muito bem adaptadas à formação instrumental típica do choro.  Contudo, podem-se citar formações instrumentais menos comuns, como o Quinteto Radamés: conjunto formado pelo maestro Radamés Gnattali, que tinha a seguinte
formação: acordeom, violão, contrabaixo, bateria, piano, e  posteriormente foi acrescentado um segundo piano, tocado pela esposa do Radamés, Aída Gnattali; a Camerata Carioca, também formada pelo maestro Radamés Gnattali, mais o bandolinista Joel Nascimento, e um quinteto - violão solo, violão de 7 cordas, cavaquinho, violão, e pandeiro (CAZES, 1998, p. 167-170). Na atualidade, há um
grande número de grupos instrumentais com  formações bastante variadas que se dedicam à performance do choro.


IMPROVISAÇÃO 
A improvisação tem sido utilizada em vários tipos de músicas e em contextos culturais diferenciados. Na música de  concerto européia, foi usada no Barroco, devido à liberdade dada ao instrumentista na realização do baixo cifrado e realização melódica de ornamentos, escolha de timbres, especialmente no repertório para órgão. Nos concertos clássicos, em trechos denominados  cadenzas, os instrumentistas tinham liberdade para criar  e mostrar seu virtuosismo a partir do material temático desenvolvido pelo compositor na obra. No século XX, é utilizada pelos compositores como elemento estrutural, em que os intérpretes participam da construção das seções da peça ou, mesmo, na elaboração da forma final de como ela é apresentada ao público. Na música popular, a improvisação tornou-se central nos vários estilos relacionados ao jazz, gênero de música popular americana, no qual os músicos improvisam a partir de um tema e/ou padrões harmônicos já fixados. (SADIE, 2001; ROCHA, 2001).


A improvisação é uma técnica bastante utilizada no choro, desde os tempos primeiros desta manifestação musical. SIQUEIRA (1970, p. 112) coloca que “Callado, ao escrever ou improvisar suas polcas, tinha a mente voltada para as atividades de seu grupo [...]”.
O Dicionário Grove dá uma definição geral de improvisação. A criação de uma obra musical, ou de sua forma final, à medida que está sendo executada. Pode significar a composição imediata da obra pelos executantes, a elaboração ou ajuste de detalhes numa obra já existente, ou qualquer coisa dentro destes limites. (SADIE, 2001, p. 450). SADIE (2001, p. 450) complementa a definição de improvisação dizendo que:  A ornamentação também representa uma forma de improvisação; nesse caso, o instrumentista ou cantor adorna uma linha determinada, em geral com muita liberdade, para aumentar a
expressividade e exibir sua inventividade e brilho.


Conceituam-se aí dois tipos de improvisação que podem se dar tomando como referência alguma idéia pré-concebida (linha melódica, seqüência harmônica, ou padrão rítmico) ou ainda ser totalmente  livre de referências anteriores. A improvisação como criação de novas melodias afeta a forma das peças, pois no momento da apresentação, os músicos  repetem alguma seção da peça (muitas vezes sem combinação prévia), ou também prolongando seus improvisos. A ornamentação visa valorizar a melodia, ou enriquecer ritmicamente uma peça com a introdução de variações nas suas características rítmicas.  É constante a utilização de ornamentação por parte dos músicos de choro, e muitos músicos comentam que a ornamentação é requisito para uma boa performance do choro. Sobre o uso de ornamentos no choro, SÁ (2000, p. 23) comenta que: Os ornamentos são parte essencial do conteúdo improvisatório do choro. Isto quer dizer que a utilização de mordentes, glissandos, apogiaturas, grupetos, entre outros, se dá de forma imprevisível. Atualmente, a improvisação no choro é usada nas duas formas comentadas anteriormente. Tanto na criação instantânea de trechos, usando como referência a melodia ou a condução harmônica de uma seção ou frase, como também na ornamentação do material temático que está sendo tocado. SÁ (2000, p. 24) comenta:


Mas faz parte do choro entender o chamado improviso através de um pensamento melódico-improvisatório baseado na própria melodia chorona que está sendo executada [...] Ocorre também que, ao contrário do jazz, a opção de não improvisar em determinado choro é bastante admissível e comum, principalmente quando se trata de um certo tipo de choro cuja construção melódica se constitui apenas por semicolcheias em andamento rápido. Uma outra conceituação de improvisação é desenvolvida por Bailey (1992, p. xi-xii): [...] eu tenho usado os termos ‘idiomática’ e ‘não-idiomática’ para descrever as duas principais formas de improvisação. A improvisação idiomática, largamente usada, está principalmente interessada com a expressão de um idioma – tais como o  jazz,
flamenco ou barroco – e toma sua identidade e motivação do idioma. A improvisação não-idiomática tem outro interesse e é mais usualmente encontrada na chamada  improvisação ‘livre’ e, embora ela possa ser altamente estilizada, não é usualmente ligada à representação de uma identidade idiomática.
Assim, a improvisação do choro estaria, neste contexto, mais próximo do primeiro tipo onde a liberdade criativa está em função de elementos presentes na própria linguagem musica






















CARACTERÍSTICAS DO CHORO


Há vários elementos que definem as características de uma obra como pertencentes ao choro. De acordo com elementos rítmicos, melódicos, harmônicos, andamento e instrumentação, o gênero choro pode ainda ser visto como choro-ligeiro, chorocanção, choro-lento, choro-maxixe, polca-choro, choro-estilizado, choro-seresta, samba-choro, ou apenas choro. Estes vários estilos do choro demonstram a 
diversidade de influências que ele sofreu durante a sua evolução no tempo, embora a diferença entre eles seja bastante sutil.  

ELEMENTOS MELÓDICOS, RÍTMICOS E HARMÔNICOS  
A melodia, o ritmo e a harmonia, no choro, são os parâmetros musicais estruturais na sua concepção musical, onde elementos como dinâmica, articulação e timbre são pouco abordados pelos instrumentistas na execução ou abordados de uma maneira intuitiva, ou ainda de uma maneira improvisada.  O choro como música de tradição oral,  permite ao instrumentista elaborar com liberdade a melodia e ritmo das peças. 


ELEMENTOS MELÓDICOS 


BEHÁGUE (1966, p. 30-66), LOUREIRO (1991, p. 52-54) e ALMEIDA (1999, p.106-114) apontam que alguns traços melódicos típicos do choro foram herdados da modinha – forma de canção importada da Europa, outros do lundu – música de origem africana. Segundo eles, os elementos melódicos do choro herdados da modinha são: cromatismos, apogiaturas, linhas melódicas descendentes, uso freqüente do modo menor, grandes saltos melódicos e notas dissonantes no tempo 
forte. Outros componentes da melodia foram herdados do lundu: padrões de notas repetidas, síncopes, e acentos melódicos na parte fraca do tempo. E mais, segundo estes autores, algumas características da melodia se apresentam como manifestação do caráter improvisatório do choro: repetição seqüencial de um padrão melódico básico sobre diferentes graus da escala, grandes arpejos, e fluxo contínuo de quiálteras.


Outros traços melódicos do choro apontados por ALMEIDA (1999, p.106-114) são: apogiaturas e bordaduras, cromatismos, ocorrência de arpejo maior descendente com sexta, frases longas, utilização da escala menor harmônica descendente sobre a dominante, valorização melódica do contratempo.  SÉVE (1999) defende a idéia de que a melodia do choro é construída sobre motivos, que são fragmentos melódicos matrizes  usados na composição de toda a peça musical. Destaca vários motivos melódicos extraídos de vários choros, e os organiza em forma de estudos. Nestes estudos,  ele toma um motivo melódico como referencial, faz várias transposições para o mesmo, organizando-os de forma musicalmente coerente. Aborda os seguintes motivos: passagens diatônicas, com arpejos, motivos baseados em cromatismos localizados no início e/ou final de frases, todos eles encontradas no repertório do choro.  


Alguns motivos melódicos bastante recorrentes no repertório do choro são: 
a) motivos escalares: aqueles baseados em uma escala ascendente ou descendente. Na figura 1 tem-se um trecho de Segura Ele de Pixinguinha (outros exemplos encontram-se em  Descendo a Serra – Pixinguinha, Diabinho Maluco e Quebrando o Galho – Jacob do Bandolim);
.....FIGURA 1 – Motivo escalar em Segura Ele de Pixinguinha (c.1). 
b) motivos de notas repetidas: baseados na ênfase de notas pela repetição. A figura 2 apresenta o exemplo de  Cheguei de Pixinguinha e Benedito Lacerda – outros exemplos são encontrados em Segura Ele e Vou Vivendo destes mesmos compositores;     

FIGURA 2 – Motivo de notas repetidas em Cheguei de Pixinguinha e Benedito                         Lacerda (c.2). 
c) motivos cromáticos: aqueles compostos de cromatismos com direção melódica ascendente ou descendente,  ou ainda como bordadura. Abaixo demonstra-se um trecho de Seresteiro de Pixinguinha e Benedito Lacerda (FIGURA 3) - outros exemplos podem ser encontrados em  Tico Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e Ginga do Mané de Jacob do Bandolim;  



FIGURA 3 – Motivo cromático como bordadura em Seresteiro de Pixinguinha e Benedito Lacerda (c.1). 


d) motivos baseados em arpejos como encontrado em André de Sapato Novo de André Correia (FIG. 4). Outros exemplos estão em  Rio Antigo de Pixinguinha e Pingo d’água de Waldir Azevedo; 


FIGURA 4 – Motivo baseado em arpejo encontrado em André de Sapato Novo de                       André Correia (c.2).

e) motivos baseados em arpejos combinados com passagens escalares ou cromatismos, como destacado em Noites Cariocas de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho  (FIG. 5). Também se encontram outros exemplos em Espinha de Bacalhau de Severino Araújo, e Naquele Tempo
de Pixinguinha; 



FIGURA 5 – Motivo de arpejo mesclado com passagem escalar em Noites Cariocas de Jacob do Bandolim (c.1).

Na Seção A de  Chorando Baixinho (cuja forma é discutida mais à frente), encontramos três motivos melódicos principais: um cromático, um cromático combinado com salto de sexta (destacados  na FIG. 6), e um motivo em arpejo encontrado no compasso 6 desta obra 




FIGURA 6 - Passagem com cromatismo e saltos de sexta ascendentes em Chorando Baixinho (c.1-2). 


A seção B de  Chorando Baixinho também está baseada principalmente em três motivos melódicos: um composto de bordadura mais salto de quarta justa, um cromático (ambos em destaque na FIG. 7),  e um motivo escalar encontrado no compasso 30 deste choro.  


FIGURA 7 - Frase que combina bordadura com saltos de quarta justa e cromatismo em Chorando Baixinho (c.18-19).                  

A seção C desta peça, que está em Ré maior, tom homônimo maior da Seção A, encontram-se os mesmos motivos melódicos da primeira seção (demonstrados na FIG. 8), baseada em cromatismos e saltos ascendentes de sexta, muito semelhantes àqueles da figura 1. 


FIGURA 8 - Frase com cromatismos e saltos de sexta maior em Chorando Baixinho (c.64-65)



ELEMENTOS RÍTMICOS 
A constituição rítmica do choro é baseada na métrica dupla (LOUREIRO, 1991, p. 51), geralmente em compasso binário simples, e tem como principais traços típicos a síncope, formas de alusão à síncope, linearidade rítmica e utilização de quiálteras (ALMEIDA, 1999, 136-142). Muitos destes elementos rítmicos foram incorporados de danças européias e africana. SANDRONI (2001, p.21) mencionando estudo feito pelo etnomusicólogo Mieczyslaw Kolinski, diz que o ritmo pode ser “cométrico” – construído sobre as partes fortes do tempo - ou “contramétrico” – construído sobre as partes fracas do tempo, ou seja, no contratempo. Segundo ele a síncope, que  é uma irregularidade  rítmica na cultura ocidental, nas músicas africanas é uma articulação normal do ritmo. Ainda segundo SANDRONI (2001, p. 28-29), outra das possíveis origens da síncope seria um padrão rítmico identificado por  musicólogos cubanos, chamado  tresillo. Este ritmo pode ser indicado na notação tradicional  por duas colcheias pontuadas mais colcheia. Subdividindo-se cada uma das colcheias pontuadas em semicolcheia mais colcheia, chega-se então à nossa conhecida síncope grafada como semicolcheiacolcheia-semicolcheia mais duas colcheias. Sobre outra figura rítmica muito encontrada no choro, LOUREIRO (1991, p.51) diz que:  


O grupo de três semicolcheias desta figura          , era utilizado sistematicamente nas melodias tanto quanto no acompanhamento de polcas, maxixes e tangos, e tornou-se recentemente um padrão 
característico encontrado em quase todo choro. 
Chorando Baixinho é baseado no elemento rítmico de quatro semicolcheias donde surge esta figura rítmica de pausa de semicolcheia mais três semicolcheias (FIG. 11). A primeira semicolcheia da cabeça do tempo (na FIG. 11, a primeira semicolcheia do primeiro tempo do compasso 2) funciona como a resolução melódica do movimento das três semicolcheias em anacruse, e a segunda semicolcheia (na FIG. 11, a segunda semicolcheia do primeiro tempo do compasso 2) é enfatizada pela melodia como início de uma nova frase.



FIGURA 11 - Padrão rítmico de Chorando Baixinho de Abel Ferreira. 

Tomando como referência estes dois elementos rítmicos (a síncope e o elemento de quatro semicolcheias), pode-se observar que eles estão presentes em várias obras da fase inicial do choro. Alguns exemplos são: Lundu Característico e Puladora de Callado,  Annita e  Não Insistas Rapariga  de Chiquinha Gonzaga,  Quebradinha  e Escorregando de Ernesto Nazareth, todas ritmicamente baseadas nas quatro semicolcheias. A variedade se encontra justamente no uso da pausa de semicolcheia e na disposição das acentuações. A transformação do elemento rítmico de quatro semicolcheias para pausa de semicolcheia mais três semicolcheias é uma pequena modificação do ritmo, que pode ser atestada em Escorregando de Ernesto Nazareth e cuja acentuação melódica cai na segunda semicolcheia. A síncope está presente em vários lundus coletados por musicólogos no interior do Brasil (LOUREIRO, 1991, p.7-13), e pode  também ser observada em obras de compositores da fase inicial do choro, como  Corta-Jaca e  Angá  de Chiquinha Gonzaga, Odeon, Tenebroso, Crises em penca e Brejeiro de Ernesto Nazareth.  



No repertório do choro da atualidade, observam-se várias modificações destas duas células rítmicas. Por exemplo, o ritmo de quatro semicolcheias pode ser identificado em  Sossega Juca (Luis Americano),  Um Chorinho na aldeia (Severino Araújo), Atrevido (Waldir de Azevedo),  Bingo (Dilermando Reis), dentre muitos outros. A síncope pode ser encontrada em  Soluços (Pixinguinha e Benedito Lacerda), Puladinho  (Severino Araújo),  Simplicidade  (Jacob do Bandolim),  Samburai  (Mané Silveira).  Há várias possibilidades de combinações unindo-se estes dois elementos rítmicos. 
Por exemplo, em Carioquinha de Waldir Azevedo e Nivaldo no Choro de Severino Araújo, há a junção do elemento síncope com o elemento de quatro semicolcheias. Em  Queixumes de Avena de Castro,  Biruta de Jacob do Bandolim e Sempre de  K-ximbinho, o ritmo é estruturado a partir da fusão dos elementos síncope, de quatro semicolcheias e de quiálteras.

ELEMENTOS HARMÔNICOS  
As características da harmonia do choro  são: simplicidade harmônica, dominantes secundárias, acorde napolitano, conclusão de frases sobre os III e V graus, inversão de acordes, ocorrência de acordes alterados e tensões harmônicas (ALMEIDA, 1999, p. 121-134), e mais, modulações  rápidas e inesperadas, constante instabilidade entre os modos menor e maior (LOUREIRO, 1991, p. 55).
A estrutura harmônica do choro – desenvolvido até meados da década de 70 - é relativamente simples, conservando a linguagem tonal. Mesmo quando há modulações, elas movimentam a harmonia para regiões vizinhas ou homônimas do tom principal. Os acordes comumente trazem, além da tríade básica, apenas a sétima como dissonância acrescentada. No choro da atualidade, muitos compositores ampliaram estas características, recebendo influências de outros gêneros musicais como o jazz ou a bossa nova (ALMEIDA, 1999). Outro fator importante para a harmonia do choro é a condução dos baixos já que a realização da harmonia por parte dos  intérpretes gerou a tradição da condução melódica do baixo (em geral, nos grupos de choro, o violão de sete cordas é o que realiza a condução melódica das linhas  do baixo). ALMEIDA (1999, p. 114-121) classifica as características da condução melódica das linhas do baixo como baixo condutor harmônico, baixo melódico e baixo pedal.
A respeito da condução melódica do baixo, LOUREIRO (1991, p. 55) comenta:  
A constante presença de uma linha melódica que se move no baixo, freqüentemente por graus conjuntos de uma escala, dita rápidas mudanças harmônicas (muitas vezes através de progressões de
dominantes secundárias) e uso de apogiaturas. O objetivo da realização melódica do baixo no choro não é propriamente indicar ou ditar mudanças na harmonia, mas conduzir a voz do baixo. Diz-se realização, por que as cifras da harmonia, não trazem informações a respeito da condução de vozes
da harmonia, e tradicionalmente é feita de maneira improvisada, durante a execução de determinada obra

Com respeito à estrutura harmônica,  Chorando Baixinho têm a  Seção A em Ré  menor, a  Seção B em Lá menor, e a  Seção C em Ré maior, revelando uma seqüência harmônica tônica menor - dominante menor - homônimo maior. Esta peça tem os acordes da harmonia constituídos  por tríades, às quais, algumas vezes, é acrescido a sétima menor do acorde,  mas raramente o acréscimo de outras dissonâncias como nona, décima primeira  ou décima terceira. Na Seção A desta obra, há duas inclinações harmônicas para Si bemol maior (sexto grau de Ré menor), nos compassos 4-5 e 12-13. A Seção B desenvolve-se em Lá menor (região harmônica do quinto grau de Ré menor), e possui duas inclinações harmônicas para Ré menor (quarto grau de Lá menor), nos compassos 20-21 e 28-29.


INSTRUMENTAÇÃO
O choro apresenta atualmente várias formações instrumentais. O primeiro grupo de choro que se tem notícia é o  Choro Carioca ou  Quarteto Ideal, organizado por Joaquim Antonio da Silva Callado Júnior – flautista e compositor de choro que atuou no período de formação do choro – segunda metade do século XIX. A formação deste grupo era de:  [...] flauta solo (tocada por Callado), dois violões e um cavaquinho. Os violões estão responsáveis pelo acompanhamento das improvisações de Callado em sua flauta enquanto que o cavaquinho preenchia com a parte intermediária com inflexões melódicas
esporádicas.  (LOUREIRO, 1991, p. 32).

Hoje, a formação instrumental mais característica do choro é o regional. Segundo ALMEIDA (1999, p. 29) o regional designa “... pequenos grupos de choro, baseados na flauta, no violão, no cavaquinho e no pandeiro, mas abertos a muitos outros instrumentos como o bandolim, o clarinete e o saxofone”.


O regional se afirma como formação instrumental na década de 30, cumprindo uma necessidade das rádios, porque
[...] para uma estação de rádio da época era indispensável o trabalho de um conjunto do tipo ‘regional’, pois, sendo uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinha a agilidade e o poder de improvisação para tapar buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao acompanhamento de cantores. (CAZES, 1998, p. 85).
Pelo fato de o choro ter se originado nas classes economicamente mais pobres da população brasileira, ALMEIDA (1999) afirma que o regional se desenvolveu a partir de duas características básicas: instrumentos portáteis, leves, e de fácil transporte, para serem levados às apresentações  em festas populares, e também financeiramente acessíveis. A tradição do “regional” tem alguns dos seus representantes mais conhecidos nos seguintes grupos: Turunas Pernambucanos, Gente do Morro, Os Oito Batutas, Regional do Canhoto, Conjunto Época de Ouro, Os Carioquinhas, Nó em Pingo D’Água,  dentre outros. CAZES (1998, p. 85), contudo, explica a origem do termo regional:

O nome ‘regional’ se originou de grupos como Turunas  Pernambucanos, Voz do Sertão e mesmo Os Oito Batutas, que, na década de 20, associavam a instrumentação de violões, cavaquinho, percussão e algum solista a um caráter de música regional.  Outro conjunto utilizado para manifestação da linguagem chorística foi a banda de música, principalmente com Anacleto de Medeiros, pois “[...] a ponte que Anacleto realizou entre a cultura de bandas e a das rodas de choro enriqueceu enormemente
ambas as manifestações” (CAZES, 1998, p.31-33).
Outros compositores da história do choro transpuseram o repertório do choro para formações instrumentais específicas. Garoto, João Pernambuco, Guinga, e VillaLobos são alguns compositores que manifestaram em suas peças para violão solo influências e elementos do choro. Radamés Gnattali, Edmundo Villani Cortes e Cyro Pereira diferentemente, produziram muitas obras para  o piano com influência do choro. Segundo ALMEIDA (1999, p. 105), o piano:

[...] atuou como uma redução do grupo chorão, podendo realizar - à sua maneira – a melodiosidade da flauta, as harmonias e baixos dos violões e a rítmica do cavaquinho. Desta forma, exerceu uma troca
mútua com os músicos de choro, incorporando e traduzindo às suas características instrumentais elementos tipicamente chorões e, ao mesmo tempo, oferecendo aos grupos de choro uma enorme
quantidade de obras que, escritas originalmente para piano, foram muito bem adaptadas à formação instrumental típica do choro.  Contudo, podem-se citar formações instrumentais menos comuns, como o Quinteto Radamés: conjunto formado pelo maestro Radamés Gnattali, que tinha a seguinte
formação: acordeom, violão, contrabaixo, bateria, piano, e  posteriormente foi acrescentado um segundo piano, tocado pela esposa do Radamés, Aída Gnattali; a Camerata Carioca, também formada pelo maestro Radamés Gnattali, mais o bandolinista Joel Nascimento, e um quinteto - violão solo, violão de 7 cordas, cavaquinho, violão, e pandeiro (CAZES, 1998, p. 167-170). Na atualidade, há um
grande número de grupos instrumentais com  formações bastante variadas que se dedicam à performance do choro.


IMPROVISAÇÃO 
A improvisação tem sido utilizada em vários tipos de músicas e em contextos culturais diferenciados. Na música de  concerto européia, foi usada no Barroco, devido à liberdade dada ao instrumentista na realização do baixo cifrado e realização melódica de ornamentos, escolha de timbres, especialmente no repertório para órgão. Nos concertos clássicos, em trechos denominados  cadenzas, os instrumentistas tinham liberdade para criar  e mostrar seu virtuosismo a partir do material temático desenvolvido pelo compositor na obra. No século XX, é utilizada pelos compositores como elemento estrutural, em que os intérpretes participam da construção das seções da peça ou, mesmo, na elaboração da forma final de como ela é apresentada ao público. Na música popular, a improvisação tornou-se central nos vários estilos relacionados ao jazz, gênero de música popular americana, no qual os músicos improvisam a partir de um tema e/ou padrões harmônicos já fixados. (SADIE, 2001; ROCHA, 2001).


A improvisação é uma técnica bastante utilizada no choro, desde os tempos primeiros desta manifestação musical. SIQUEIRA (1970, p. 112) coloca que “Callado, ao escrever ou improvisar suas polcas, tinha a mente voltada para as atividades de seu grupo [...]”.
O Dicionário Grove dá uma definição geral de improvisação. A criação de uma obra musical, ou de sua forma final, à medida que está sendo executada. Pode significar a composição imediata da obra pelos executantes, a elaboração ou ajuste de detalhes numa obra já existente, ou qualquer coisa dentro destes limites. (SADIE, 2001, p. 450). SADIE (2001, p. 450) complementa a definição de improvisação dizendo que:  A ornamentação também representa uma forma de improvisação; nesse caso, o instrumentista ou cantor adorna uma linha determinada, em geral com muita liberdade, para aumentar a
expressividade e exibir sua inventividade e brilho.


Conceituam-se aí dois tipos de improvisação que podem se dar tomando como referência alguma idéia pré-concebida (linha melódica, seqüência harmônica, ou padrão rítmico) ou ainda ser totalmente  livre de referências anteriores. A improvisação como criação de novas melodias afeta a forma das peças, pois no momento da apresentação, os músicos  repetem alguma seção da peça (muitas vezes sem combinação prévia), ou também prolongando seus improvisos. A ornamentação visa valorizar a melodia, ou enriquecer ritmicamente uma peça com a introdução de variações nas suas características rítmicas.  É constante a utilização de ornamentação por parte dos músicos de choro, e muitos músicos comentam que a ornamentação é requisito para uma boa performance do choro. Sobre o uso de ornamentos no choro, SÁ (2000, p. 23) comenta que: Os ornamentos são parte essencial do conteúdo improvisatório do choro. Isto quer dizer que a utilização de mordentes, glissandos, apogiaturas, grupetos, entre outros, se dá de forma imprevisível. Atualmente, a improvisação no choro é usada nas duas formas comentadas anteriormente. Tanto na criação instantânea de trechos, usando como referência a melodia ou a condução harmônica de uma seção ou frase, como também na ornamentação do material temático que está sendo tocado. SÁ (2000, p. 24) comenta:


Mas faz parte do choro entender o chamado improviso através de um pensamento melódico-improvisatório baseado na própria melodia chorona que está sendo executada [...] Ocorre também que, ao contrário do jazz, a opção de não improvisar em determinado choro é bastante admissível e comum, principalmente quando se trata de um certo tipo de choro cuja construção melódica se constitui apenas por semicolcheias em andamento rápido. Uma outra conceituação de improvisação é desenvolvida por Bailey (1992, p. xi-xii): [...] eu tenho usado os termos ‘idiomática’ e ‘não-idiomática’ para descrever as duas principais formas de improvisação. A improvisação idiomática, largamente usada, está principalmente interessada com a expressão de um idioma – tais como o  jazz,
flamenco ou barroco – e toma sua identidade e motivação do idioma. A improvisação não-idiomática tem outro interesse e é mais usualmente encontrada na chamada  improvisação ‘livre’ e, embora ela possa ser altamente estilizada, não é usualmente ligada à representação de uma identidade idiomática.
Assim, a improvisação do choro estaria, neste contexto, mais próximo do primeiro tipo onde a liberdade criativa está em função de elementos presentes na própria linguagem musica






















Um pouco de História - Choro


O choro é um gênero de música popular urbana, que se desenvolveu no Brasil, a partir de meados do século XIX. Originou-se do processo de transformação dos elementos musicais de canções folclóricas e danças originalmente européias (principalmente a polca) e elementos musicais do lundu (forma de canção e de dança de origem africana) que foram lentamente incorporados à música popular urbana praticada no Brasil.  Alguns dos representantes mais significativos da fase inicial do choro são: Joaquim Antônio da Silva Callado, Anacleto Augusto de Medeiros, Francisca Edwiges Gonzaga (mais conhecida por Chiquinha  Gonzaga) e Ernesto Nazareth, pois colaboraram na transformação dos elementos musicais das danças européias e do lundu, que resultou numa linguagem musical híbrida: o choro. Callado foi o flautista responsável pela formação do  Quarteto Ideal, um dos primeiros grupos de choro, com o qual tocava suas composições. Anacleto foi o principal nome a inicialmente adaptar a música dos chorões para as bandas militares de música, destacando-se como regente da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro por vários anos. Finalmente, os nomes de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga ficaram como os mais conhecidos não apenas pela popularidade de sua linguagem musical, mas também por tornar o piano um instrumento próprio do choro (CAZES, 1998).

Posteriormente, no início do  século XX, surge o chorão Alfredo da Rocha Vianna  Filho (nasceu em 23/04/1897 e faleceu em 17/02/1973), que se tornaria  nacionalmente conhecido como Pixinguinha. Além de ter atuado como instrumentista  e líder de vários grupos, como por exemplo, o conjunto Os Oito Batutas, criou um  repertório muito singular, no qual se  destacam peças famosas do choro como a valsa  Rosa  e o choro  Lamentos. Com o flautista Benedito Lacerda teve uma importante parceria da qual resultaram obras como Naquele Tempo, Um a Zero, Os  Oito Batutas e Sofres Porque Queres.


O choro é um gênero de música de tradição oral, ou seja, os músicos vinculados à sua prática estão apoiados na transmissão oral do seu conteúdo antes que na propagação por meio da escrita. As rodas  de choro são um exemplo disto, pois neste tipo de prática, os iniciantes aprendem as músicas “de ouvido”. RAMALHO (2002, p. 7) citando trabalho de Paul Zumthor, diz que este  [...] propõe o estabelecimento de tipo ideais de oralidade, dentre essa gama diversificada entre os limites do oral e do escrito: 1) a oralidade pura ou  primária, aquela que não tem qualquer contato com os códigos da escrita; [...] 2) a oralidade que convive com as escrituras e que, conforme circunstâncias, se apresenta sob a forma de oralidade mista, ou seja, um tipo de oralidade que opera simultaneamente à escrita estando esta à distância [...]; 3) Finalmente, a  oralidade dos meios de comunicação, aquela que 
recorre aos meios audiovisuais, diferida no tempo e no espaço. 




Atualmente, tem-se se incorporado a escrita como meio de registro do choro em virtude de o choro estar sendo praticado por músicos  de várias procedências, sobretudo aqueles que procedem de músicas com tradição escrita – como a música erudita. Portanto, na atualidade, dentro da perspectiva apresentada por RAMALHO, pode-se classificar o choro como uma prática musical de oralidade mista, com preponderância da transmissão oral.  


O interesse pelo choro enquanto objeto de estudo tem despertado interesse de  estudiosos da música popular dentro e fora da academia. A maioria dos trabalhos tem cunho histórico, o que não impede que  ainda hoje existam contradições a respeito do seu processo de formação, influências recebidas e exercidas ao longo de mais de um século de existência. Mais recentemente, observam-se estudos cujo 
foco é a prática de performance do choro, ou seja, como ele é tocado em função dos seus elementos musicais como ritmo, harmonia, melodia, improvisação, instrumentação, etc. Entre estes, destaca-se o livro Choro: Do Quintal ao Municipal, no qual o autor Henrique CAZES (1998) conta a história do choro, seus principais representantes e fatos.



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